BSD, o gato

O nome dele era BSD, meu gato de pelagem totalmente preta. O nome completo, sem utilizar o acronimo, ficaria muito dificil de explicar as pessoas, principalmente se nao fossem da mesma area que a minha. Entao so falava BSD.

A vizinha Leila foi quem me deu o gato. O nome dele fui eu quem deu.

O marido da Leila tem uma banda, na epoca, covert do Creedence Clearwater Revival. Fui a alguns shows. Tocam bem. Nao me lembro do nome da banda.

BSD era bem pequeno, recem-nascido, tinha medo de tudo.

A epoca, eu morava no terraco da casa da minha mae, onde quase ninguem ia, por ser no terceiro andar – muito longe!!!

No dia em que trouxe o BSD pra casa, o mesmo ficava escondido num cantinho bem escuro da vasta biblioteca dos fundos – cheia de enciclopedias, almanaques, colecoes do circulo do livro, de Monteiro Lobato, escoteiro-mirim (as BBS e a internet eram coisa “nova”, os mais antigos ainda nao conheciam bem)… BSD miava sem parar, com medo de tudo e de todos os sons. Eu colocava o pratinho de leite dele e deixava ele la, sozinho.

Os dias foram passando, o leite ele bebia, pois eu repunha diariamente. A caixinha de areia eu tambem limpava. O BSD foi crescendo, la no quartinho escuro.

Um belo dia ele coloca a cabeca pra fora, e diz assim, como se estivesse pronto para me conhecer melhor:

-Miau!!!

Eu estou no meu computador Pentium MMX 200Mhz, que era meu firewall e desktop, recompilando o kernel da ultima versao do Linux Slackware, adicionando alguns modulos no meu firewall.

Nessa epoca recompilar o kernel num MMX 200Mhz durava alguns dias, acho que em torno de 2 dias.

Entao o BSD passou a zanzar pelo quarto principal, fora da biblioteca escura, onde antes ele preferia ficar.

BSD se sentava no meu colo, no sofa-cama azul com detalhes de estampa branca. Olhava pra mim enquanto eu programava ou ajeitava as regras do firewall, e passou a dar pulos no meu teclado, acho que pra chamar a minha atencao, e entao aprendi a deixar o prompt deslogado apos sair do quarto (imagina ele dando um rm -rf na raiz sem querer!!!!)

Dizem que gato tem sexto sentido (ou setimo!), o fato eh que se eu chegava um pouco “alto” em casa, ele ficava arisco, miando desafiadoramente pra parede ou pra algum outro canto do quarto. Depois ele ficava melhor quando eu ficava mais sobrio.

Meu firewall ha tempos precisava ser trocado pois ja era bem velhinho, a tampa do computador vivia aberta pra melhor refrigera-lo, o disco rigido, apos pifar uma vez, ja tinha ido pro congelador, envolto em pano e depois em plastico (se nao me engano, tecnica ensinada pelo famoso pesquisador Fabio David do NCE/UFRJ – e pasmem, funciona algumas vezes!!), e o tal HD voltou a vida por mais 2 meses, ate que o grande “acidente” aconteceu – o BSD “mijou” na placa mae, ali, quentinha e exposta pra todos verem. Talvez eu tenha me esquecido de limpar a caixa de areia, talvez ele tenha tido a vontade de experimentar um banheiro novo, mas o fato eh que aquele firewall tinha ido pro ceu dos computadores (muita amonia no xixi de gato, creio!). Ora de montar um novo, com um hardware mais atualizado, e tentar salvar algumas particoes (ext2 ou reiserfs? nao lembro!) do HD antigo.

Um dia chego em casa, e encontro penas espalhadas por todos os lados. No meio do quarto, o corpo de um passarinhho. O passarinho aparentemente entrou pelo vao no alto da porta, bem la no alto, e o BSD com seu instinto de felino cacador, abateu o mesmo, mas nao o comeu – despenou um pouco o coitado do passarinho, e deixou o cadaver do mesmo ali, no meio do quarto. As vezes vinha e dava uma patadinha, como verificando se realmente fez o trabalho completo.

Olhei pro BSD e pensei: – Quanta pena pra varrer, e um corpo pra me livrar! Obrigado pelo presente, filho!!!!

Comecei varrendo as penas da rolinha que estavam espalhadas no chao do quarto, colocando-as na pa de lixo. Entao abri a porta pra varrer o corpo do passarinho pra fora, posiciono a vassoura pra dar um bom impulso, e ao dar a fatidica varrida, o safado levanta voo – estava se finjindo de morto pra nao ser comido pelo BSD!!!

Um dia deixei a porta do quarto aberta, sai de manha para trabalhar, ja tinha caido a noite, e o BSD desceu a escada caracol do terraco, desceu tambem a escada entre o segundo piso e o terreo. Colocou a cabecinha pra dentro da sala, onde se encontrava minha mae, e disse como que se apresentando a uma pessoa que nunca tinha visto:

– Miau

Minha mae se espantou, e gritou pra minha irma:

– Socorro! Tem um gato aqui!!!

Minha irma tranquilizou a mesma:

– Eh o gato do Fabio, fica tranquila mae

– E o Fabio tem um gato desde quando?

– Ha alguns meses, mae. Se chama BSD.

Minha mae nunca gostou muito de animais, com excessao de quando eramos menores, quando tivemos pintinhos, porquinho-da-india, cachorro… a maioria comprada pelo meu pai, ou que permaneceu na casa apenas com o aval do mesmo.

Mas o tempo foi passando, e a senhora foi se afeicoando ao animal.

Comprava brinquedinhos, racao, e todo o tipo de mimos.

Mas nem tudo sao flores, e os sofas comecaram a ser alvos de uma afiacao de unhas sem precedentes por parte do felino. A senhora mae deste que vos relata os fatos, nao ficou muito satisfeita.

Porem a mesma comprou outros mimos, nos quais o felino apreciou afiar as unhas, e os sofas foram esquecidos – para o bem de todos e a felicidade geral da nacao.

Um belo dia o BSD encontrou outro gato maior, macho tambem, e as brigas comecaram.

Quando chegava em casa, ele estava muito sujo e com feridas. Dava banho e colocava ele pra sarar. Ficava bem quietinho por uns dias. Mas ainda assim deixava ele solto – tinha que aprender a se defender.

Num outro dia, apos varias outras brigas, no meio duma tarde em que eu estava trabalhando, minha mae e irma estavam vendo TV na sala, quando um grande clarao apareceu fora de casa.

O BSD tinha caido do terraco, apos uma briga com o outro gato preto, nos fios de alta tensao, causando um grande clarao – resultado do encontro dos fios de energia. O corpo do BSD estava esticado nos fios. Minha mae e irma foram pra fora da casa, e ao mira-lo no estado em que estava, comecaram a chorar vendo o corpo do felino sem vida esticado entre dois fios.

Pegaram um cabo de vassoura pra soltar o corpo do bichano dos fios, da-lo quem sabe um funeral digno. Porem quando cutucaram, o mesmo caiu de patas no chao, e saiu correndo pra dentro de casa – nao sei quantas vidas se perderam no episodio, mas creio que pelo menos umas 3 das 7 tenham ido embora, na ocasiao.

Um dia o BSD nao apareceu mais aqui em casa. Talvez tenha encontrado uma felina atraente e formado familia, talvez tenha sido alvo de alguma comida envenenada, ou entao alguem decidiu adotar o mesmo.

Tchau, BSD!!!

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